saneamento básico

Por que falta água com tanta frequência nos bairros de Santa Maria?

Camila Gonçalves

Fotos: Janio Seeger (Diário)
Prefeitura e Corsan renovaram o contrato de prestação de serviços de água e esgoto em Santa Maria há seis meses

"A gente brinca que, quando abre a torneira do céu, abre a nossa aqui embaixo. Quando não chove, não tem água".
A afirmação é da faxineira Iracema do Prado, 47 anos, moradora da Vila Pôr do Sol, no Bairro Nova Santa Marta, na região oeste de Santa Maria. A frase Iracema ilustrar uma situação vivida por muitos santa-marienses que se perguntam: por que falta água com tanta frequência nos bairros de Santa Maria?

O Diário traz nesta reportagem informações sobre o novo contrato da Corsan, que exige melhorias, a explicação da Corsan para a falta de água, os 4 pontos onde a falta de água é crônica na cidade e as críticas da população ao atendimento do 0800 da Corsan.

NOVO CONTRATO EXIGE MELHORIAS
A explicação, segundo a Corsan, está nas obras e melhorias que estão sendo feitas na cidade. Em julho de 2018, a prefeitura renovou o contrato de prestação de serviços com a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) por mais 35 anos. Mais de 50 cláusulas de melhorias foram negociadas entre as partes, como o investimento de R$ 544,5 milhões em melhorias nos serviços, em um prazo de 25 anos. Consta, ainda, o repasse de R$ 48 milhões para o Fundo de Saneamento do município, até o final do ano que vem, e uma indenização de R$ 12 milhões para aplicação em repavimentação asfáltica. 

As linhas do contrato também ficaram mais rígidas no que diz respeito ao fechamento de buracos para conserto da rede e em relação à falta de abastecimento. Conforme essa última cláusula, se não resolver o problema de falta d'água em até 24 horas, a Corsan poderá pagar multa diária de R$ 50 mil, mais 0,05% do faturamento bruto mensal da Corsan em Santa Maria no mês anterior.

Nos seis primeiros meses de contrato em vigência, a Corsan nunca foi submetida à multa. A prefeitura afirma que isso aconteceu porque todos os casos de falta d'água se enquadravam nas situações em que a cláusula não conta: quando há necessidade de intervenção em adutoras, vazamentos invisíveis, quando os problemas são decorrentes de ligações clandestinas ou quando falta energia em estações de bombeamento. 

A prefeitura criou a Superintendência de Monitoramento e Fiscalização de Serviços de Água e Esgoto para fiscalizar o cumprimento dos itens do contrato. O Executivo também havia anunciado que abriria um canal para atendimento de reclamações da população, mas ainda está recebendo a comunicação dos problemas pelo 156, a Ouvidoria do município. Segundo informações da Superintendência, desde a assinatura do contrato, foram recebidas 55 reclamações relacionadas aos serviços da Corsan.

A EXPLICAÇÃO DA CORSAN
De acordo com a gestora da Unidade de Saneamento Espacial da Corsan de Santa Maria, Andréia de Moraes Zanini, as obras da Travessia Urbana (duplicação das BRs) em Santa Maria têm ocasionado uma série de rompimentos na rede de água. Segundo ela, as regiões mais elevadas exigem bombeamentos para que a água alcance a cota necessária para abastecer e, em casos de interrupções, são as regiões onde o abastecimento é reestabelecido por último.

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Além disso, a captação de água em Santo Antão (Ibicuí) sofre interrupções por eventos naturais ou técnicos, e isso afeta a capacidade de levar a água bruta para a estação de tratamento, com consequente redução do volume distribuído. Andréia também atribuiu as faltas de água ao aumento da população na Região Leste e às frequentes interrupções no fornecimento de energia elétrica.

Os locais mais críticos, segundo a Corsan, são as regiões onde as obras de duplicação das rodovias federais estão em operação e nos bairros onde há cotas mais altas de abastecimento.

- Em algumas situações, o abastecimento de água leva até três dias para ser recuperado devido à falta de energia elétrica de algumas horas - diz Andréia.

No último mês, a Corsan precisou reabastecer reservatórios domiciliares com caminhão-pipa. Foram feitas solicitações de usuários do Passo das Tropas, da Vila Lorenzi, do Tomazetti, da Pôr do Sol, de Camobi, da Vila Carolina, do Salgado Filho, do Cerrito, da Vila Floresta e do Centro.

Melhorias já finalizadas

  • As adutoras no distrito de Santo Antão, na localidade do Passo do Macaco e no Bairro São José, na esquina das ruas Oscar Ferreira e James de Oliveira 
  • Em janeiro de 2018, foi realizada a melhoria no complexo de adução (condução) de água bruta do Sistema Ibicuí Mirim, que está localizada entre o Escrimin e a Estação de Tratamento de Água (ETA), totalizando 11,8 km 
  • Obras de interligações e reforços de rede na Rua Tomaz Antonio Gonzaga, no Bairro Carolina

Melhorias até julho de 2020

  • Pesquisa de vazamentos invisíveis nas redes existentes 
  • Substituição de 14 quilômetros de rede em toda a cidade
  • Substituição de redes e ampliação de vazão nos bairros Lorenzi, Campestre do Menino Deus, Camobi (no loteamento Monte Bello), Parque Pinheiro Machado e em ruas novas, à medida que a cidade se expande

Na zona rural
O contrato prevê investimento de R$ 17 milhões na construção de redes de abastecimento no interior 

  • Localidade de Tronqueiras, distrito de Arroio do Só - Já foram implantados 500 metros de rede de distribuição de água, até novembro. A partir deste mês, está previsto o início da segunda etapa, que vai finalizar os 3,7 mil metros de rede previstos 
  • Construção de redes na Colônia Pinheiro, no distrito de Santa Flora, e na Colônia Conceição, em São Valentim

4 LOCAIS DE FALTA DE ÁGUA CRÔNICA

1) Bairro Nossa Senhora de Lourdes
Moradores de condomínios na Avenida Fernando Ferrari reclamam da falta de pressão na água ou de desabastecimentos frequentes.

Segundo a Corsan, a região é monitorada pelo Centro de Controle Operacional. Ocorrências de desabastecimento são ocasionadas apenas quando ocorre algum tipo de rompimento de rede, sendo muito pequena a incidência nessa região. Cabe observar que a pressão mínima que deve ser entregue em cada imóvel é de 10mca (10 metros de coluna de água). Porém, na Região Central, incluindo esta avenida, existem algumas edificações que não atendem ao que determina o código de obras do município, visto que, embora ultrapassem os 10mca, não possuem reservatório inferior com bombeamento. Neste caso, a pressão é insuficiente para abastecer o reservatório elevado, mesmo isso estando previsto no Regulamento dos Serviços de Água e Esgoto. Esses imóveis estão sendo notificados para adequação, visto que a responsabilidade pela condição técnica interna dos imóveis é de seus proprietários. 

2) Bairro Lorenzi
Cerca de 20 famílias que residem na Estrada Antônio Ovídio Severo, perto do antigo Frigorífico Duarte, tinham problemas devido à retirada de uma bomba de pressão. A Corsan previa a instalação de outra, em fevereiro.

Segundo a Corsan, foi realizada a instalação de um booster (bombeamento de água tratada) na Rua Viterbo Andrade da Silva, 417, a fim de melhorar o abastecimento na região. No verão de 2018, a obra foi concluída. Essa instalação exige disponibilidade de fornecimento de energia elétrica. Quando existe oscilação de energia, a instalação é impactada. Além disto, nessa região, o número de ligações irregulares é muito elevado e o desperdício de água que ocorre em consequência disto também. Em decorrência das obras de travessia na BR-392, também ocorreram vários rompimentos de rede. Outra razão é que esses problemas afetam de modo mais prolongado as regiões de cota mais elevada. 

3) Bairro Nova Santa Marta  
Cerca de 200 famílias na Vila Pôr do Sol reclamam que falta água durante o dia, ou que a água chega às torneiras sem pressão.

A Corsan afirma que instalou, em dezembro de 2018, um bombeamento de água tratada para atender à região mais elevada da Pôr do Sol. Quando existe oscilação de energia na região, a bomba que funciona como pressurizadora é impactada. Além disso, o número de ligações irregulares é muito elevado e o desperdício de água que ocorre em consequência disso também. A região também não tem reservatórios domiciliares, o que poderia reduzir de forma significativa o impacto sobre situações de desabastecimento 

4) Bairro Camobi 
Residencial Monte Bello - Conforme os moradores, há falta de abastecimento e a pressão é fraca, especialmente nas regiões mais altas.
Segundo a Corsan, a interligação da nova adutora de água tratada de Camobi, instalada na esquina das ruas Oscar Ferreira com James de Oliveira, foi pensada para melhorar o abastecimento de água no eixo leste da cidade. A execução das obras da adutora e da Travessia Urbana provocaram uma série de interrupções. Também, em função das melhorias, ocorreram alguns rompimentos na rede. Além disso, a densidade populacional na Região Leste, nos últimos anos, demonstra o crescimento necessário em atendimento naquela região. Desse modo, as obras previstas estão concentradas nas regiões leste e sul.

SOLUÇÃO: MORADORES INSTALAM RESERVATÓRIOS MAIORESMoradores costumam juntar água em baldes e garrafas

No Residencial Monte Bello, em Camobi, Região Leste, a população relata que a situação da falta d'água já foi pior, mas ainda está presente, até mesmo na arquitetura dos prédios. Os projetos originais já incluem um reservatório de 500 litros dentro das casas, mas alguns investiram em uma segunda caixa.

Uma das casas chama a atenção pelo detalhe que mais parece uma casinha de brinquedo. O proprietário projetou a estrutura para abrigar a terceira caixa d'água da moradia, de mil litros. Com 2 mil litros, ele conta que conseguiu resolver o problema do abastecimento.

- Para uma família de quatro pessoas, essas caixas de 500 litros não dão conta do consumo - conta o dono da casa, que preferiu não ter o nome divulgado.

Além de enfileirar recipientes, também é prática comum no residencial desligar o registro antes de sair para o trabalho. Isso porque, se falta água na rua, o sistema puxa a água das caixas. O sargento do Exército Marcos da Rosa Francisco, 33 anos, explica:

- Quando vem água da rua, o relógio (que mede o consumo de água) gira no sentido anti-horário. Quando falta água, é ao contrário. Por isso, sempre, antes de ir trabalhar, fecho o registro. Não sei se descontam essa água que volta para a rua.

Se no verão a falta d'água atrapalha quem busca se refrescar, no inverno, a falta de pressão impede o banho quente. Jaqueline Machado, 43 anos, já tentou comprar chuveiros com maior saída de água, mas teve que optar pelos modelos mais simples.

- Banho de hotel, só depois das 22h, que é quando a pressão melhora - brinca.

Segundo os moradores, alguns vizinhos, com maior poder aquisitivo, investem em pressurizadores de água, que aumentam a pressão e custam aproximadamente R$ 600. Outros compram chuveiros com pressurizador acoplado, que custam em torno de R$ 200.

Nem todo mundo que comprou casas no Residencial Monte Bello 3, inaugurado em 2013, sabia do problema. Outra moradora revela que só teve ciência da situação pelos moradores das casas construídas antes. Ela acredita que os projetos dos empreendimentos deveriam contemplar reservatórios específicos, já que o bairro cresceu e é abastecido pelo mesmo reservatório da Cohab Fernando Ferrari.

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

CRÍTICA AO 0800 
Um morador do Bairro Nossa Senhora do Rosário conta que, entre setembro e dezembro do ano passado, cerca de 13 residências do condomínio onde mora enfrentaram falta d'água durante o dia. O consumidor, que preferiu não ser identificado, disse que a caixa d'água não chegava a encher. Nas ligações para o atendimento gratuito da Corsan (0800-646 6444), em um dia, diziam que não havia registro de falta d'água no endereço e, no outro, que havia ocorrido rompimento de um cano. 

Segundo o morador, ele entrou em contato com um assessor da prefeitura, que enviou um servidor da Corsan para verificar o problema in loco. 

- Ele usou um equipamento para medir a pressão e viu que não tinha pressão suficiente. Desde então, não teve mais problema, mas deu para constatar que o 0800 não funciona. É uma ineficiência - opina ele, que defende até mesmo a privatização da estatal de saneamento. 

Por 30 dias, a auxiliar administrativa Elisabete Righi, 44 anos, enfrentou um problema parecido na Rua Cambará, no Bairro Patronato. 

- Todos os dias, eu ligava. Tive vários protocolos com a Corsan, e não resolveram. Diziam que não havia nenhuma restrição no abastecimento. Quando procurei a Ouvidoria da prefeitura, foram consertar - revela Elisabete. 

Sobre o canal, a gestora local explica que os canais de atendimento vêm sendo ampliados. Além do 0800, desde 2018, a companhia disponibiliza o acesso a informações sobre rompimentos, vazamentos de rede, entre outros casos, por meio do aplicativo da empresa. 

A Corsan disponibiliza, ainda, dois pontos de atendimento presencial: na Rua Coronel Niederauer, 1.355, e na Rua João Fontoura e Souza, 206, em Camobi. O atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 16h, sem fechar ao meio dia.

OS "GATOS" DE ÁGUA
Os problemas do excesso de consumo, que se agravam no verão, são ainda mais graves para quem desvia água e não tem que pagar a conta. Segundo a prefeitura, um dos principais problemas que impactam na falta de abastecimento são as ligações clandestinas. Já foram identificadas ligações até mesmo em uma das tubulações principais que saem da estação de tratamento.  

A Corsan tem intensificado os serviços de identificação dessas ligações, e solicitará apoio policial e judicial para punir os envolvidos. A empresa informou, ainda, que ampliou o trabalho por meio do projeto Caça à Fraude, iniciado em 2018. Durante o ano passado, a companhia realizou 5 mil revisões em imóveis que possuem cadastro regularizado. Desses, cerca de mil imóveis estavam com abastecimento irregular.  

Para 2019, a Corsan pretende dar continuidade ao projeto. A projeção é que sejam visitados cerca de 10 mil domicílios.

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